quarta-feira, 16 de março de 2011

Sorriso com Terra nos Dentes

E assim continuo. Começo com essa frase esculpida em toneladas de energia e bom humor. Viver num barco! Olho lá para fora e vejo que como o mar, todo o cenário muda a cada dia.

A vida a bordo, sem dúvida, é bem diferente do que imaginamos quando estamos do lado de fora. Sei que é real, pois estou passando por ela, mais ainda que proporcione alguma dificuldade, é recompensadora. Aqui eu não me preocupo com trânsito parado, com poluição sonora, com desigualdade social, contas a pagar (exceto a do bar), com a comida que não preparei do jeito que eu imaginara e assim por diante.

Existem os desafios, cito os mais comuns que percebi entre meus companheiros navegantes: sentir-se preso, tédio, estresse, desprezo pelo simples e solidão. Felizmente de todos os principais sintomas me identifiquei apenas com o estresse; os outros me passaram despercebidos, talvez pelo fato de ser meu primeiro contrato, somado com minha facilidade de ver o lado bom das coisas a ainda com a satisfação de abraçar tudo o que Deus me proporciona.

Meu maior dilema é a tal da “alienação”. Acho que a essa altura, já devo ter o mesmo número de citações para ela e “navio”. É que certas coisas me incomodam.
Quando em terra, assistimos a maioria dos desastres e conflitos do mundo através dos canais de mídia. A mensagem pode ser alterada, deturpada, estraçalhada por completa, mais ainda assim trás algum ponto de verdade que poderá ser confirmado se compararmos uma com outra qualquer.

Já aqui dentro, nem isso acontece. Acordamos e ao menos que seja de nosso interesse, vivemos isentos dos afazeres terrestres alheios, e coloco terrestre nisso! Dois dias desde o desastre no Japão e ainda tem muita gente passando só pelo “ouvi falar”. Eu mesmo, algumas semanas atrás, demorei dois dias, até saber por um hóspede, que Teresópolis estava deslizando com tudo em cima.

Aí me pergunto? A falha é nossa, de não nos interessarmos pelos acontecimentos a nossa volta, ou foi a tal da globalização que nos uniu demais e já não nos dá mais tempo de nos conhecermos e estudarmos nosso planeta antes de destruir-lo?

Informado ou não, voltando para minha vida a bordo; não muito preocupado com uma resposta clara para minha questão (não muda nada para mim se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha para achar que comer o ovo é menos cruel) só sei que, me encontro realizado quando penso em trabalho, mas darei sempre o mesmo conselho para os que me perguntarem:

“Pergunte. Questione. Não quer incomodar os outros, eu entendo... Questione a si mesmo. Não tenha todas as respostas, mas busque uma.”

Trocando o Dia pela Noite

Toca o despertador, acorda o boneco assustado. Sem jeito, pula da cama para o chão como se tivesse ouvido o “Abandonar Navio”. Ele se arruma, faz a barba, quase não tem. Escova os dentes, veste a farda de todos os dias e sai pronto para desejar um bom dia energético para o primeiro que lhe aparecer. ERRADO! Agora deve dar boa noite, mas vai tomar tempo para se acostumar.

Esse sou eu aqui e agora. Agora que leio já não sou mais o mesmo. Agora que você lê já não sou mais o mesmo. Eu fui eu e agora já sou outro que já não sou mais. Isso é mais ou menos o que passa pela minha cabeça quando paro para pensar que já se foram dois meses desde que entrei para o barco.

Mudo a cada dia e cada dia muda minha rotina de uma maneira que não tenho como não agradecer por tudo o que estou passando. Agora estou trabalhando a noite. Trabalho de onze até oito da manhã. Sou eu e eu na Recepção e agora quando eu faço algo errado, corro logo para supervisão para culpar a mim mesmo, assim eu evito problemas. Trabalhar comigo é legal, mas tem hora que perco a paciência comigo mesmo.

Em suma (tipo clichê de dissertação), estou fazendo o night shift, pois dessa forma aprendo mais sobre os detalhes financeiros e sistemas do navio; consigo programar meu dia para excursões e adquiro uma experiência que poucos têm (poucos querem trabalhar a noite).